Pergunta aos católicos sobre a "Sola Scriptura" - Resposta ao CACP
As questões do artigo original estão em preto. As respostas seguem em azul e itálico.
Por Paulo Cristiano da Silva do, CACP
1. Se a igreja Católica Romana deu a Bíblia ao mundo, sendo infalível em suas decisões, então por que muitos membros de seu clero rejeitaram os livros apócrifos?Roma rejeitou ou pôs em dúvida a canonicidade e autoria das epístolas de Tiago e Hebreus. Então porque mais tarde veio aceitá-los? E como ela pode aceitar livros como sagrados sendo que mais tarde estes vieram a ser rejeitados?
Para responder estes questionamentos, recheados de erros, temos de ir por partes:
Ao contrário do que o texto supõe, a Igreja Católica não é "infalível em suas decisões", no que diz respeito a toda e qualquer "decisão" que ela venha a tomar. A infalibilidade da Igreja de Cristo é uma característica legítima e obrigatória para a credibilidade da "coluna e fundamento da verdade". Quando sob a chefia do Papa, o sucessor de Pedro, e dos Bispos, os sucessores dos apóstolos, as decisões da Igreja são infalíveis. Mas, mesmo assim, essa infalibilidade é limitada a questões concernente à fé doutrinária e à moral no âmbito da Igreja e de seus membros. Portanto, ser "infalível em suas decisões" não é, como o texto pretende que o leitor entenda, uma infalibilidade universal e absolutista, mas um dom divino dado por Cristo e preservado na Igreja pelo Espírito Santo.
O fato de que "muitos membros rejeitaram os livros apócrifos" em nada abala a veracidade do cânon cristão. Todo mundo, hoje, amanhã e há 2000 anos atrás teve e têm o direito de questionar assuntos que dizem respeito à sua fé, e o cânon do Antigo e do Novo Testamento, alvo de debates por séculos, não é uma exceção. São Jerônimo, por exemplo, não reconhecia alguns livros "apócrifos", porém reconhecia a autoridade a quem cabia, de fato, essa decisão: a Igreja. E então Jerônimo terminou por aceitar tais livros. Então, o questionamento dos membros da Igreja serviram, e ainda servem, para por em debate o alvo em questão, para que faça nascer no meio da confusão a verdade mais pura. Por isso, os "membros do clero", mesmo agindo de boa fé, mesmo sendo nomes de peso, não podem responder pela Igreja isoladamente. À Igreja cabe a decisão final, e quem a rejeita, rejeita a verdade da fé, e, então, se torna um herege.
"Roma" não "rejeitou a canonicidade e autoria das epístolas de Tiago e Hebreus", tanto é que tais livros estão e sempre estavam na lista oficial de livros do Novo Testamento. Heresiarcas antigos, como Marcião, aceitavam apenas o evangelho de João e as cartas de Paulo como dignas de fé. Diversos questionamentos envolvendo os autores do Novo Testamento são responsáveis pelas tantas dúvidas a respeito de sua inspiração e, portanto, canonicidade. Hebreus é uma delas, assim como Apocalipse, Judas, Atos dos Apóstolos e mesmo os Evangelhos. Na verdade, a comunidade científica, cética até a última molécula, não vai descansar até encontrar evidências de que os livros do Novo Testamento, ou pelo menos alguns deles, não foram escritos pelos que dão seu nome (Pedro, João, Paulo, etc...), mas por meros seguidores. Fato é que logo nos primeiros séculos da Igreja muita confusão a respeito de qual livro era inspirado e, portanto, deveria ser lido e seguido pelas comunidades, ocorreu, exigindo uma análise de quem possuía autoridade para tal decisão: A Igreja. Por isso os Concílios.
O que o autor não fala, por má fé ou por ignorância, é que os livros de Tiago e Hebreus jamais foram alvo de tamanha controvérsia, dentro da Igreja Católica, quanto no protestantismo. Quem nunca leu, em nossos textos e de outros sites de apologética católica, que, ao retirar os livros deuterocanônicos do Antigo Testamento, Lutero, alegando confiar mais nos judeus do que nos cristãos para decidir o cânon (na verdade, confiou em si mesmo...), também quis retirar os mesmo livros que o texto coloca, e ainda outros, negando sua autenticidade e inspiração divina? Quem não se lembra de ter lido que Lutero, "iluminado pelo Espírito santo", após ter descoberto "a verdadeira doutrina cristã da salvação somente pela fé", reconheceu que o livro de Tiago não continha "nada de evangélico" e, portanto, era uma "epístola de palha" (se era mesmo o Espírito Santo, deu uma fugida nessa hora, se era outro "espírito", agiu como deveria...)? Portanto, as "dúvidas" a respeito da canonicidade dos livros do Novo Testamento foram discutidas e resolvidas pela Igreja com autoridade, e aceita por toda a Igreja. Mas foi o protestantismo quem mais atentou contra a aceitação de tais livros.
Uma questão curiosa é essa última: "como ela pode aceitar livros como sagrados sendo que mais tarde estes vieram a ser rejeitados"? Quais livros são esses, que a Igreja considerou sagrados, e que foram rejeitados? O autor silencia quanto a essa fonte, provavelmente porque, pela facilidade de questionar, mas pela dificuldade e pesquisar, preferiu soltar essa dúvida com base na primeira opção, deixando a segunda a cargo de quem se habilite a responder, não é verdade? Nada mais destituído de responsabilidade de quem pretende confirmar uma doutrina, a "Sola Scriptura" no caso, algo que, pelo andar destes questionamentos, pouco ou quase nada é defendido. Quem rejeitou livros sagrados foram os protestantes, não os católicos. Desde Cartago os livros oficialmente canônicos estão registrados e até hoje estão onde devem estar: na Bíblia cristã. Livros como "O Pastor de Hermas" e "1ª Carta de Clemente aos Coríntios" eram lidos, entre outros, por comunidades isoladas, e por eles considerados canônicos, mas isso não quer dizer, de forma alguma, que a Igreja os considerava sagrados, e depois os rejeitou, pois a Igreja se pronunciou oficialmente somente a partir dos Concílios de Cartago e Hipona, e sucessivamente em outros Concílios. Portanto, a Igreja não rejeitou o sagrado, mas os protestantes, claro, sim.
2. Se a igreja Católica realmente é dirigida pelo Espírito Santo de modo que os católicos podem confiar nela como sendo " a única igreja verdadeira", por que ela errou em coisas tão simples assim?
Mais um questionamento que não questiona em nada sobre a "Sola Scriptura", mas vejamos. A Igreja é, realmente, dirigida pelo Espírito Santo, promessa do próprio Cristo e evidência bíblica no Concílio de Jerusalém. E, caso o autor pense que resolver a questão de quais livros devem ser reconhecidos pelos cristãos como dignos de fé, por serem sagrados, inspirados pelo Espírito Santo, e, por isso, contendo a mensagem pura de Deus para a salvação de toda a humanidade, seja uma tarefa "tão simples assim", deveria, então, existir um modo mais fácil do que debates seculares para resolver a questão, não é mesmo? Fácil é pra quem já chegou no mundo com tudo pronto, encadernado. Mas numa época primitiva, onde o conhecimento humano ainda não era versado nas ciências que hoje facilitam, e muito, o estudo bíblico, e onde circulavam dezenas de evangelhos, epístolas e apocalipses, a tarefa não foi fácil, e exigiu da Igreja, a única autoridade legítima responsável pela pureza e pela confirmação da doutrina cristã, a organização e identificação dos livros que hoje compõem a Bíblia Cristã.
Para os protestantes dizer que uma tarefa é "tão simples assim" se baseia no fato de que foi criada em suas consciências a idéia de que o cânon da Escritura, para ser reconhecido, não exige uma Igreja, um papa, ou um ou mais bispo. Exige uma pessoa apenas, "eu", ou seja, a própria pessoa. Isso se deve à hipótese de que o cristão protestante, inundado por uma "inspiração interna do Espírito Santo", saberia, facilmente, identificar os livros sagrados. Por isso, para o protestante, identificar o que é ou o que não é Escritura seja uma tarefa "tão simples assim". É só abrir o olho e "puft", sabe se o que está lendo é ou não é sagrado. Assim é fácil. Mas não é nada fácil a vida dos protestantes que acreditam nessa doutrina, porque ela, pela simples evidência prática, é falsa. O próprio Lutero ou não soube usar dessa "inspiração do Espírito Santo" ou na verdade não tinha "Espírito Santo" nenhum, porque não soube identificar a canonicidade de diversos livros do Novo Testamento. Ora, "por que ele errou em coisas tão simples assim" explica-se pelo fato de o "Espírito" que o guiava era o seu mesmo, e querendo dar razão às suas próprias novidades, fez o que fez, e deu no que deu: heresia.
3. Se a igreja Católica Romana definiu o cânon em 397 d.C. então por que versões diferentes daquele mesmo cânon continuou a circular tempos depois?
Porque a mudança não ocorreu da noite pro dia. A definição do cânon não significou o recolhimento de versões diferentes, mas somente o que deveria ser seguido dali em diante. Existiam versões diferentes, mas não oficiais. "Versões diferentes" da Bíblia sempre existiram e sempre vão existir, pelos mais diversos motivos, entre eles a heresia é a principal. É o que vemos hoje com a bíblia protestante e, a partir dela, com a Bíblia dos Testemunhas de Jeová, entre outras versões "não-autorizadas" da Bíblia.
Ademais os dois concílios mencionados estavam sobre o controle das igrejas que mais tarde iriam tornar-se o que hoje conhecemos como " igreja ortodoxa". Como podem dizer que foi a igreja Católica Romana quem determinou o Cânon? Sendo assim, seria a Igreja Ortodoxa e não a católica romana que realmente deu a Bíblia.
Porque não há a necessidade de se estar em Roma para a Igreja “de Roma” confirmar qualquer decisão tomada por um de seus Concílios. Em Hipona e Cartago, ambos Concílios Católicos, foram discutidos pela primeira vez pela Igreja a questão acerca do que deveria ou não constar na lista de Escrituras Sagradas. A Igreja Católica tanto aceitou plenamente tais Concílios como legítimos como em reuniões posteriores confirmou a mesma lista apresentada em Hipona e Cartago. O fato de ambos os Concílios estarem localizados em áreas que hoje pertencem à Igreja Ortodoxa Oriental, e, por isso, o crédito deveria ser delas e não da Igreja Católica é vazio, porque, quando a questão foi colocada, não havia a divisão que existe hoje, iniciada no século XII. O patrimônio da doutrina da Igreja é universal, e não limitada à cidade natal de sua definição.
5. Se a igreja Católica, deu a Bíblia ao mundo, por que ela não reclamou isto logo nos primeiros séculos? Por que teve de esperar até o século VXI no Concílio de Trento, para oficialmente juntar os livros apócrifos ao Cânon?
Muito simples: porque até lá, ninguém havia cometido a atrocidade de questionar o cânon das Escrituras, afrontando a autoridade da Igreja e, ainda por cima, criando o seu cânon pessoal. O que talvez o autor desta pergunta queira deixar entendido é que a Igreja, quando reuniu os livros sagrados, deveria, por motivos de “direitos autorais” ou por medo, talvez, de um processo por plágio (Dan Brown que o diga...), tivesse anexado um documento dizendo: “Esta lista quem elaborou foi a Igreja Católica”. Oras, nada mais ridículo. Não havia necessidade disso porque a autoridade da Igreja nos tempos primitivos era muito clara, e suas decisões foram aceitas por toda a Igreja.
Não há registro histórico de revolução alguma pelos cristãos primitivos por motivos da definição do cânon pela Igreja (sim, os cristãos primitivos não eram um poço de tolerância com heresias...). Isso mostra que a lista foi aceita e praticada por toda a Igreja, como oficial. Não havendo questionamentos, a Igreja não vê necessidade de uma declaração pública sobre suas definições ou doutrinas. Segue o exemplo do dogma da Trindade. Somente 3 séculos depois da morte de Cristo houve a necessidade da Igreja se pronunciar oficialmente, porque as heresias que estavam surgindo a respeito de tal entendimento exigiram, para abolir as confusões, uma voz de autoridade. Como Martinho Lutero foi aquele “alguém” que afrontou a autoridade da Igreja, repartindo o cânon à mercê de suas idéias, a Igreja precisou, mais uma vez, definir o cânon das Escrituras. Nada mais fez do que, na verdade, reafirmar o que já havia escrito em diversas ocasiões anteriores.
7. Os católicos poderiam fornecer o exemplo de uma única doutrina que teve origem na tradição oral apostólica a qual a Bíblia se silencia?
8. Os católicos podem fornecer provas de que sua tradição doutrinaria é apostólica em sua origem?
9. Os católicos poderiam fornecer um único exemplo de uma inspirada " revelação oral" apostólica (tradição inspirada) que difere da escrita (sagradas escrituras) ?
Juntei as três perguntas porque na verdade são uma só: Mostre uma só doutrina genuinamente cristã que tenha origem exclusivamente na Tradição Oral.
Para responder precisamos, antes, esclarecer um ponto: este tipo de pergunta mostra que o protestante (no mínimo, o autor do texto) não sabe o que a Igreja Católica entende por ser a Sagrada Tradição Apostólica. Ela não é uma “outra revelação” ou uma “outra fonte doutrinária”. A Palavra de Deus, em sua plenitude, não se encontra somente na Bíblia (Sola Scriptura), mas nos seus componentes oral e escrito. Quando analisados conjuntamente, produzem a direção à verdade da doutrina cristã. A Tradição não é um amontoado de costumes ou práticas enraizadas ao ponto de virarem doutrinas. Todo o conjunto de estudos e conclusões dos Pais da Igreja e dos Santos Concílios compõem a Sagrada Tradição da Igreja. Por isso não pode haver um “exemplo de revelação oral que difere da escrita”, pelo simples fato de que uma não difere da outra. Na verdade, uma complementa a outra. Isto vai de encontro formidável à doutrina da auto-suficiência das Escrituras, e de sua clareza de entendimento, motivo pelo qual é difícil a idéia de uma “ferramenta” de elucidação Bíblica, devidamente munida da autoridade divina para filtrar as doutrinas incoerentes com o cristianismo.
São Paulo diz claramente que a Igreja deve se manter firme seguindo as tradições cristãs, seja aquela oral ou aquela escrita. A própria Bíblia nasceu da Tradição Oral. As primeiras décadas do cristianismo se basearam exclusivamente na Tradição Oral para transmitir os ensinamentos de Cristo. Isso mostra que a legitimidade e autoridade da Tradição Oral, que sempre existiu dentro da Igreja, não desapareceram quando a Bíblia tomou forma. Os protestantes não podem identificar, na Bíblia, evidência para tal acontecimento. Se o apóstolo Paulo afirmou que a mensagem divina está contida tanto na Palavra Escrita quanto na Palavra Oral, não há necessidade de uma evidência visual de uma “doutrina exclusivamente oral” para acreditar que ela existe. Para os católicos, basta a evidência Bíblica de que a Sagrada Tradição é legítima e necessária para a proteção e plenitude da doutrina cristã.
10. Se [os católicos afirmam que] não é permitido fazer interpretações particular da Bíblia, como saberemos então quem está dizendo a verdade quando as duas igrejas afirmam ao mesmo tempo que a " tradição apostólica" apóia suas doutrinas, quando na verdade nós sabemos que elas são opostas entre si?
A própria Bíblia afirma, pelas palavras de Pedro, que nenhuma profecia é de particular interpretação. Por isso os católicos não estão sozinhos em afirmar que não é permitido fazer interpretações particulares da Bíblia.
Exatamente pelo fato de duas ou mais Igrejas alegarem que possuem “doutrinas apostólicas” é que a confusão se instalou no cristianismo protestante. Não há autoridade nem critério legítimo para uma igreja alegar autenticidade. Vale, tão somente, o “é porque é” ou “é porque a Bíblia diz que é”. Todo mundo pode abrir uma igreja e fundamentar suas idéias em alguma passagem mal interpretada da Bíblia. Todo mundo menos aquela que foi munida da autoridade direta de Cristo da proteção e condução divina, como coluna e fundamento da verdade e guiada na terra por Pedro, detentor do privilégio de ser a rocha sob a qual a Igreja se fundamenta. Nenhuma igreja protestante, por mais alto que grite “Aleluia”, não passa pelo crivo da história ou da interpretação bíblica apurada.
11. Se porventura o cânon hebraico foi definido somente no concílio de Jâmnia [como afirmam oscatólicos]. Então isto levanta a seguinte indagação: será que Deus deixaria de dar uma lista dos livros inspirados a Israel quando ainda estava em sua terra, para repentinamente fornecer esta lista em 70 d.C depois que Israel havia sido destruído?